Texto retirado do artigo A SEGMENTAÇÃO, O PREMIUM E O ROBERTO DAMATTA de Bruno Pompeu, Janiene Santos e Silvio Sato, publicado na revista Pensamento & Realidade nº2/2011.
A quantidade de produtos ditos premium nas prateleiras, nas gôndolas, nas páginas das revistas, nos sites e nas redes sociais não deixa dúvida: há algo acontecendo nesse universo dito elitizado, particularmente no Brasil.
A movimentação nos clientes e nas agências também corrobora: todos querem ser premium, todos querem entender o que é premium, todos querem se posicionar como premium, todos precisam de um apelo premium.
Philip Kotler – sempre ele –, em Marketing 3.0, sua obra mais atual, afirma que o mercado está cada vez mais polarizado entre uma extremidade e outra – e o mercado intermediário está desaparecendo. Segundo o autor, os consumidores intermediários tendem a duas possibilidades opostas: o mercado popular ou o mercado do luxo.
De qualquer forma, compreender o significado do premium no Brasil tem sido um desafio para publicitários, marqueteiros e gestores em geral. A princípio, conforme senso comum estabelecido entre agências de publicidade e clientes, para que algo possa ser considerado premium, precisa ter sofisticação e diferenciação. Mas é claro que só isso não basta. E é claro também que não é apenas esse o único caminho possível. Entender – ou elaborar, de acordo com o tipo de segmentação que se vai fazer – as demandas mais íntimas desse consumidor que se acredita premium é desafio para mais de metro, porque não é só alta qualidade o que ele busca, tampouco é um produto básico travestido de premium – como acontece em muitos casos.
Pensando nessas demandas, nessas necessidades, nesses desejos desse segmento notoriamente exigente, é que se tratou aqui de elaborar algumas possibilidades de abordagem do universo premium.
i) Premium como uma recompensa: a própria palavra “premium”, de acordo com o dicionário Houaiss, tem na sua origem latina (praemere) a ideia da recompensa. Pressupõe uma relação pessoal – a recompensa por algo feitoa uma pessoa –, envolvendo sentimentos de gratidão (de quem recebe o favor) e satisfação (de quem fez o favor). Mas pode também denotar uma relação coletiva – algo realizado em favor do grupo –, passando por sentimentos de responsabilidade (pelo grupo) e heroísmo (de quem fez o favor).
ii) Premium como um incentivo: enquanto a recompensa se alinhava à tentação, segundo a classificação da semiótica do texto, o incentivo se aproxima da sedução como forma de modalizar o sujeito. O objeto premium (o produto ou a marca premium) é oferecido anteriormente à ação como forma de estímulo. No contexto cultural brasileiro, o premium como incentivo ganha contornos bastante interessantes também quando se relaciona com a famosa frase “os fins justificam os meios”. Pela conquista do objeto premium, pode-se fazer qualquer coisa. Pensando em uma relação mais coletiva, o incentivo está vinculado à confiança que o grupo deposita no indivíduo.
iii) Premium como brinde: é algo adicional, algo que vai além do esperado ou do regular. Por esse ponto de vista, o premium está relacionado com a superação da expectativa, com uma oferta da marca sempre superior ou maior do que a demanda do cliente, com um presente. Relaciona-se também com o lúdico, com o supérfluo, com aquilo que não se compraria objetivamente, mais que se gostaria de ter.
iv) Premium como algo a mais: o elemento adicional tanto pode ser concreto e objetivo (um material, um ingrediente, um processo, uma patente, uma assinatura), como pode também ser abstrato ou imaginário (uma essência, uma magia, uma poção). Geralmente envolve a noção de raridade, já que o tal elemento a mais costuma ser raro ou de difícil acesso. Portanto, trata-se de algo elitizado, para poucos. O efeito comparativo é imediato e inevitável, dando a esta faceta do premium um forte vínculo com uma visão hierárquica do consumo, em que alguém está acima (algo a mais) de outrem que está em baixo.
v) Premium como alta qualidade: novamente, tem-se o atrito entre o coletivo e o individual, uma vez que um produto, para ter alta qualidade, precisa atender a critérios de excelência estabelecidos – e reconhecidos, claro – pelo coletivo. A alta qualidade está relacionada também com a legitimidade, porque um produto de alta qualidade não pode nunca ser composto por materiais substitutos ou inferiores.
vi) Premium como dinheiro: o universo premium é simbólico, no sentido de ser compartilhado pelo coletivo. Só há superioridade de valor, porque há o reconhecimento geral desse valor. Por esse prisma é que o premium pode se assemelhar ao dinheiro, funcionando como um forte signo de mediação social – afinal é um primeiro (o objeto ou a marca consumidos), que se refere a um segundo (dinheiro, riqueza etc.).
vii) Premium como algo para comprar: a própria raiz da palavra, do latim, já sugere este significado e, conforme o item anterior, o valor do dinheiro está fora de si próprio. E tanto pode fazer referência a algo anterior (o lastro, a sua origem etc.), como pode também remeter a algo ulteriora ele: o que o dinheiro pode comprar. O premium pode ser, portanto, um signo de poder de compra, que, no contexto cultural brasileiro, tem contornos bastante interessantes.
viii) Premium como uma vantagem: se a alta qualidade pressupunha uma diferenciação hierárquica vertical, o premium como vantagem refere-se a uma distinção horizontal. Ser premium é estar à frente, é estar adiante. Pressupõe, novamente, a noção de que existe alguém que está ou que ficou para trás. A vantagem é dinâmica, é instável, pode até ser passageira. A noção de vantagem relaciona-se também com a ideia da vitória, porque quem sai na frente (que tem vantagem) tem mais chances de vencer.
ix) Premium como uma distinção: seria, assim, um signo que separa, que põem à parte um grupo e outro. Evidentemente, a separação é “para cima”, como que retirando do massa o elemento premium, em um movimento de suspensão seletiva. No dia-a-dia, esta perspectiva do premium é bastante comum, estando presente nas vagas de estacionamento para idosos, nas salas dos professores, no “acesso restrito”, na área íntima das casas etc. Consumir o premium, portanto, é ter acesso a espaços privilegiados.
x) Premium como um reconhecimento: uma vez mais, estão pressupostos aqui o indivíduo (executor da ação) e a massa (que reconhece a ação). Tem relação direta com o êxito, com o sucesso, com a glória. Um ato pode ser correto, salutar ou heroico, mas, se não for conhecido por todos, não gera reconhecimento ao seu actante. O premium, por este lado, pode ser considerado algo posterior a um ato, a uma trajetória, a uma sucessão de fatos, o que pode, facilmente, ser associado à vida do consumidor premium, à sua história, às suas conquistas.
Fonte: http://revistas.pucsp.br/index.php/pensamentorealidade/article/view/7871/5757 Acessado em 18/08/2012.
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